Música na escola:veja o que pensam especialistas

Música na escola:veja o que pensam especialistas

O QUE PENSAM OS ESPECIALISTAS SOBRE O ASSUNTO

  O ano de 2011 é data limite para que toda escola pública e privada do Brasil inclua o ensino de música em sua grade curricular. A exigência surgiu com a lei nº 11.769, sancionada em 18 de agosto de 2008, que determina que a música deve ser conteúdo obrigatório em toda a Educação Básica. "O objetivo não é formar músicos, mas desenvolver a criatividade, a sensibilidade e a integração dos alunos", diz a professora Clélia Craveiro, conselheira da Câmara de Educação Básica do CNE (Conselho Nacional de Educação).

Nas escolas, a música não deve ser necessariamente uma disciplina exclusiva. Ela pode integrar o ensino de arte, por exemplo, como explica Clélia Craveiro: "Antigamente, música era uma disciplina. Hoje não. Ela é apenas uma das linguagens da disciplina chamada artes, que pode englobar ainda artes plásticas e cênicas. A ideia é trabalhar com uma equipe multidisciplinar e, nela, ter entre os profissionais o professor de música. Cada escola tem autonomia para decidir como incluir esse conteúdo de acordo com seu projeto político-pedagógico". Apesar de ser uma boa iniciativa, o trabalho com equipes multidisciplinares para o ensino de música não tem acontecido de forma satisfatória nas instituições de ensino. "De qualquer maneira, trabalhar de forma interdisciplinar ou multidisciplinar em escolas de educação básica é uma tarefa complicada", afirma Clélia.

É necessário prestar atenção se o seu filho está tendo aulas de música com uma equipe adequada ou mesmo se esse tipo de aula está sendo oferecida na escola dele, como diz a lei. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, só estão autorizados a lecionar na educação básica os professores com formação em nível superior, ou seja, profissionais que tenham cursado a licenciatura em Universidades e Institutos Superiores de Educação na área em que irão atuar. Portanto, os professores que devem ser responsáveis pelas aulas de música do seu filho são aqueles com formação superior em música. Fique atento.

Entenda mais detalhes dessa lei para que você possa compreender e exigir a aplicação dela na escola do seu filho.

O currículo escolar na LDB

Silvia Barbára*
Entre setembro de 2007 e agosto de 2008, foram sancionadas quatro leis que alteraram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Em comum, três delas introduziram a obrigatoriedade de determinadas disciplinas ou componentes curriculares na educação básica.

Em setembro de 2007, a Lei 11.525 determinou que o currículo do ensino fundamental passasse a incluir "obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das crianças e dos adolescentes".

Em março de 2008, a Lei 11.645 tornou obrigatória a "temática (?) indígena" no ensino médio e fundamental. Em junho do mesmo ano, a Lei 11.684 transformou a Filosofia e a Sociologia em "disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio".

Finalmente, em agosto de 2008, a Lei 11.769 estabeleceu o ensino de música como conteúdo obrigatório, no ensino fundamental e médio, do componente curricular de Artes. A mudança deverá ser introduzida no prazo de três anos.

A inclusão de novas "obrigatoriedades" não é um fenômeno novo e resulta, a meu ver, de um defeito de origem da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/1996).

Em nome de uma "flexibilização" exagerada e dada a polarização que se estabeleceu no Congresso durante a tramitação da LDB, a lei de educação tratou com pouca seriedade o currículo escolar.

Genérica, a proposta original limitava-se a estabelecer a obrigatoriedade do "estudo da língua portuguesa e da matemática" e um vago "conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil" (art. 26, §1º). Havia ainda referência ao ensino de História do Brasil, que deveria "levar em conta as diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia" (art. 26, §4º).

Durante a tramitação, foram acrescentadas artes e educação física como "componentes curriculares" da educação básica (art. 26, §§ 2º e 3º, apenas artes em caráter "obrigatório"). Também foi incluído no texto o "domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania" (art 36, §1º, III).

Na parte diversificada, a LDB estabeleceu o ensino de pelo menos uma língua estrangeira a partir da 5ª série (agora 6º ano). Por força de um tremendo lobby, o ensino religioso acabou entrando como "disciplina no horário normal das aulas de ensino fundamental das escolas públicas, mas com matrícula facultativa" (art. 33).

O lobby e as mudanças
A falta de uma discussão mais séria sobre os currículos na educação básica abriu espaço para que interesses particulares pressionassem por alterações pontuais na Lei, depois de sua promulgação. A LDB foi sendo gradualmente remendada, transformando-se numa colcha de retalhos desconexa.

As mudanças não se limitaram a incluir como "obrigatórios" apenas alguns componentes curriculares e/ou disciplinas, mas conferiram tratamentos diferentes a eles, de acordo com a capacidade de pressão dos grupos diretamente interessados.

Assim, o texto da LDB sancionado em 1996 estabeleceu como obrigatórios o ensino de Língua Portuguesa, Matemática e uma vasta área denominada de "conhecimentos do mundo físico e natural e da realidade social e político", sem definir a estrutura da grade curricular (as disciplinas e a distribuição delas ao longo da educação básica).

Em oposição a tamanha generalidade, a mesma LDB elevou o ensino religioso ao patamar de disciplina do ensino fundamental nas escolas públicas, dentro do "horário normal de aulas", ainda que de matrícula facultativa. Tornou a Sociologia e Filosofia as únicas "disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio". Obrigou que currículos do ensino fundamental tratassem dos direitos de crianças e adolescentes e que o ensino sobre a formação da população brasileira seja abordado a partir de dois "grupos étnicos" (sic) - o negro e o indígena.

Sobre esse último item, vale refletir um pouco mais. Em janeiro de 2003, foi sancionada a Lei 10.639 tornando obrigatório o ensino, no fundamental e médio, de História e Cultura Afro-brasileiras (art. 26-A). Como subproduto, a mesma obrigatoriedade foi estendida à "temática indígena" (sic) em março de 2008 (Lei 11.645).

As duas alterações na LDB não criaram novas disciplinas (o tema deve ser abordado transversalmente e "ministrado em todo o currículo escolar" do fundamental e médio). Em compensação, a lei definiu os conteúdos programáticos que os professores estão obrigados a ministrar. Proeza que nem o regime militar conseguiu instituir:

"O conteúdo programático (...) incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos [negros e índios], tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional ..." (LDD, § 1º, art. 26-A, com a redação dada pela Lei 11.645, de março de 2008).

O precedente aberto serviu de base para que em fevereiro de 2008 fosse apresentado o projeto de lei 2.742, que não só introduz a educação para o trânsito na educação básica, como determina, no ensino médio, o conteúdo programático da nova disciplina! Espera-se que o bom senso prevaleça e a proposta seja devidamente engavetada¹.

Todo esse conjunto de mudanças são medidas pontuais que não observam o currículo escolar integralmente, nem a sua importância estratégica para um projeto de nação. Elas estão sendo adotadas a reboque de interesses específicos de grupos com maior capacidade de pressão, sejam eles "progressistas" ou "conservadores".

Exemplos não faltam. Em 1997, por conta da vinda do Papa João Paulo II ao Brasil, foi excluída a garantia de que o ensino religioso seria realizado "sem ônus para os cofres públicos". O Conselho Federal de Educação Física atuou fortemente para tornar a Educação Física componente curricular "obrigatório" (em 2001) e suprimir o seu caráter facultativo aos alunos do curso noturno (2003). Ao apresentar o projeto de lei que tornou a Sociologia e a Filosofia disciplinas obrigatórias no ensino médio, o deputado Ribamar Alves escreveu uma longa justificativa de quatro páginas sem mencionar uma única vez a Sociologia.

Devo ressaltar que sou favorável ao ensino de Filosofia e Sociologia, mas tenho ressalvas aos mitos que justificaram a sua introdução como disciplinas obrigatórias. Em primeiro lugar, essas áreas do conhecimento não detêm o monopólio do "saber pensar criticamente". E nem se situam exclusivamente no campo ideológico da esquerda, como muitos acreditam (basta assistir ao Globo News Painel nas noites de sábados).

Em segundo lugar, louvou-se muito o "retorno" das duas disciplinas, como se antes de junho de 2008, data em que a Lei 11.684 foi sancionada, as escolas estivessem proibidas de incluí-las em seus currículos. Ora, especialmente a Filosofia já vinha sendo introduzida nas escolas há mais de dez anos, só que sustentada por projetos pedagógicos e não pela mera obrigatoriedade².

Em terceiro lugar, do ponto de vista pedagógico não há justificativa plausível para que essas duas disciplinas sejam as únicas "obrigatórias em todas as séries do ensino médio", em detrimento de demais disciplinas.

Por que então não apresentar projetos de lei que instituam História, Física, Química, Ciências e Geografia como disciplinas obrigatórias em todos os anos escolares? Ou então definir o que um professor deve ensinar, de acordo com uma ou outra visão de mundo?

Em relação às disciplinas, estou propondo um tratamento isonômico a todas elas. Em relação aos "conteúdos", quero ver criada a confusão. Talvez assim seja possível reiniciar a discussão sobre o currículo escolar, desta vez com um pouco mais de responsabilidade.

  Tramitam na Câmara propostas que instituem no currículo escolar: psicologia, "educação para o pensar", direitos humanos, empreendorismo, legislação tributária, educação financeira, direito ambiental, "conhecimentos de política", difusão de valores à segurança pessoal e coletiva, cidadania, cultura popular, educação alimentar, Língua Brasileira de Sinais - Libras, educação sexual, segurança pública, educação contra drogas. 
   Em julho de 2009 foi sancionada a lei 11.988 que cria a "Semana de Educação para a Vida", obrigando as escolas públicas a destinarem uma semana inteira para tratar de temas não abordados no currículo escolar - sexualidade, educação para o trânsito, Estatuto do Menor e Adolescente.

² Atribui-se ao regime de 1964 a supressão da Filosofia e da Sociologia. De fato, a Filosofia era disciplina do chamado "curso clássico", que acabou em 1971. Isso não ocorreu com a Sociologia, uma vez que ela não constava dos currículos.
Muitos autores afirmam que a Sociologia integrou o currículo apenas entre 1925 e 1942, mas essa versão também merece ressalvas. Nesse período, havia o ensino Primário de 4 anos e o Secundário, com duração de 5 anos. Junto com outras disciplinas específicas e diferenciadas, a Sociologia era matéria do 6º ano do Secundário, um período complementar e facultativo de estudo, que garantia ao aluno o grau de Bacharel em Letras e Ciências.

* Silvia Barbara é professora de ensino médio e diretora da Federação dos Professores do Estado de São Paulo e do Sindicato dos Professores de São Paulo
O artigo, escrito em julho de 2008 e publicado no site do SINPRO-SP,  foi atualizado após a sanção da Lei 11.769 (agosto/08)  e republicado na página da Federação dos Professores do Estado de São Paulo, www.fepesp.org.br


Fonte: Fepesp(Federação dos Professores do Estado de São Paulo)